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quarta-feira, 14 de maio de 2008

Reportagem: Arte dos Desabrigados

Moradores de rua promovem cultura com criatividade

Em meio a prédios residenciais e trânsito constante, um terreno baldio se destaca na avenida Mauro Ramos, região metropolitana de Florianópolis. Não por seu abandono, mas por oferecer abrigo. E para aqueles que observam superficialmente e passam por ali, no mínimo mostram-se curiosos e surpresos. Já na frente, um quadro pintado à mão expõe a figura de uma onça, essa feita sobre um velho compensado de madeira. Desenhos de graffiti ambientam o lugar, que é sujo, e dizeres religiosos nas paredes, o complementam. Um sofá rasgado, um colchão velho, uma escrivaninha quebrada -essa atravessada-, fecham parcialmente o lugar contra a chuva. A casa antiga, mal demolida e embargada, onde azulejos do banheiro à vista se confundem com a arte abstrata, agora é lar de desabrigados.
É que João Luis da Silva, Mairilli Lima e mais dois grafiteiros estão vivendo no terreno a mais de um ano. Insatisfeitos por não terem conseguido abrigo no albergue municipal, que atualmente só tem vinte vagas e para moradores de outros estados, agora montaram seu abrigo com as próprias mãos. E elas, sim, são instrumento de seu principal trabalho, a arte. “Apesar das dificuldades, morar pela rua é uma experiência de aprendizado. Tem pessoas que se perdem, sim, e essas eu considero marginais. Nós tentamos viver do nosso jeito, honestamente” relata Silva. São inúmeras pinturas, cerâmicas, bonecos, desenhos que ficam à frente do lugar, todos feitos a partir de material reciclável. “Tudo vem do lixo. Nós catamos sempre a matéria-prima daquilo que as pessoas desprezam e sempre há algo de útil, principalmente a tinta para usarmos nas pinturas. Certa vez, encontrei um pedaço de compensado e nesse havia um desenho de uma águia, achei aquela gravura bonita, me lembrava liberdade. Foi assim que começou a vontade de pintar.” conta ele.

A forma de sobrevivência

A águia de Silva rendeu bons proveitos. Lembra o artista que certo dia apareceu, encantado com o quadro “A águia”, um empresário com interesse em comprá-lo. Quando o comprador perguntou ao vendedor quanto custaria a pintura, ele respondeu: “Não cobro nada de meus trabalhos. Você é que dá o valor”. A venda foi feita por 50 reais, e a obra, de acordo com o dono, foi vendida em um leilão internacional que houve em São Paulo. “Quem sabe estou famoso lá fora e nem estou sabendo” brinca ele.
Lima tenta passar o conhecimento que tem para os que precisam. Formada em Artes, agora passa por esta “experiência de rua” oferecendo aulas de como produzir objetos em cerâmica, técnica em artes plásticas e na confecção destes. Utilizando a internet como meio, ela sempre vai a alguns cybers e passa horas pesquisando vídeos que ensinam a técnica de pintura e cerâmica. Deste modo, grava em cds as aulas e vai até às casas de apoio social que disponibilizam um computador, para ensinar aos interessados. É uma forma de trazer recurso àqueles que estão desempregados e precisam sobreviver, nem que para isto eles sejam autônomos. Em conseqüência, ela consegue mão-de-obra, formando uma cooperativa de ajudantes. “Uma vez conheci dois meninos, franzinos, que moravam na rua. Eles souberam que eu sabia desenhar, pintar, e no outro dia acharam um bloco, caderno, e vários lápis de cor, pincéis e tintas no lixo. Eles separaram e guardaram para me dar depois. Nós ajudamos uns aos outros”.

Projetos sociais têm olhar para a rua

Segundo pesquisa do Ministério de Desenvolvimento Social, Florianópolis ao lado de Joinville, lidera o ranking com maior número de pessoas em situação de rua, relativa à população total. No Brasil, um dado ainda revela que quase 90 por cento destes moradores não são atendidos por programas governamentais, como aposentadoria, Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Mas não é o que diz Irma Remor Silva, coordenadora geral do projeto “Abordagem de Rua” e responsável pela assistência social aos que vivem em mendicância. De acordo com ela, a pesquisa não especificou o tipo de morador, pois na grande Florianópolis a maioria é de outras cidades. Aproximadamente 400 são residentes, e o resto; apontado pelo ranking, são migrantes e não permanecem por muito tempo na cidade. Entretanto, o indicador não é motivo para ignorar o seguinte fato: 95 por cento dos que moram na rua estão ali por causa das drogas. Para estas pessoas existe esperança, que cresce cada vez mais quando recebem auxílio.
O projeto, chefiado por Remor, propõe através de denúncias ou por indicações e visitas, promover assistência para trazer moradia e encaminhar estas pessoas a outros programas de apoio. Primeiro, aqueles que necessitam de tratamento contra a dependência química, são levados à casa de apoio social, localizada no Norte da ilha. Além de estadia, oferece uma recuperação emergencial. Aos que somente precisam de trabalho, são inseridos no programa de inclusão produtiva, podendo receber até dois salários mínimos e progredindo. “Nós somos só os mediadores. Levamos aqueles que realmente precisam aos projetos, governamentais ou não, que funcionam de fato. Contudo, a experiência do trabalho me ensinou que muitas vezes tivemos que fazer até papel de ambulância.”, relata.

As histórias ensinam

Conta ela que, certa vez, quando foram fazer uma “abordagem”, um indivíduo estava passando mal e tendo convulsões, logo, era necessário chamar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU/192). Só que eles não contavam que a ambulância recusaria tal atendimento. A justificativa era: “À mendigos cabe ao serviço social cuidar, não a nós os buscarmos”. Então às pressas, com o carro antigo do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), levaram-no até ao hospital.
O telefone toca. Mais uma chamada. Não se sabe ao certo se é motivo de alívio ou alerta. “É correria, o 0800 e o telefone da coordenadoria são atendidos minuto a minuto. Temos que acalmar, tem famílias que ligam desesperadas; é o filho que fugiu de casa, o marido que está na rua e se envolveu com drogas, um avô com amnésia e perdido pela cidade. Mas há histórias boas como a que segue. Uma coreana queria sair da cidade e não sabia como. Não falava nada de português. E nós, como íamos conversar com ela? Até que uma amiga minha teve a idéia de levá-la a um restaurante de comida típica chinesa, onde os donos eram coreanos. Não é que eles eram a família dela? Estavam a sua procura por semanas a fio, mas não sabiam aonde procurar. São pequenos sucessos, através de um trabalho até investigativo.” , diz a chefe.

Faltam investimentos

A evolução do quadro só não é mais efetiva por carência de recursos. Hoje, o período em que permanecem os dependentes químicos na recuperação, são somente de alguns meses. E estes são insuficientes, trazendo recaídas e voltas à rua. Também são inexistentes os centros para abrigo de mulheres na mesma situação, portanto, não há aonde encaminhá-las.
O João é uma figura. Diz que quer incrementar seu ateliê, colocando um cata-vento para produzir energia limpa, pois, no abrigo, não há luz. Já perguntei a ele se ia sair do lugar, oferecemos até moradia, mas não tem como; ele sempre acaba voltando para lá” conta Remor.
É por isso que talvez por amor à arte ou sobrevivência, os moradores do “atelier” vão vivendo. Nunca se sabe, dos problemas enfrentados pela rua. Mas Silva finaliza: “Todos nós somos moradores de rua. Você, ele, ela; mas a única diferença é que nosso teto é a céu aberto”.

2 gols:

Lu disse...

Nossa, que animal essa reportagem!
Adorei a história da coreana, que sorte!
Pesquisasse pra caramba, hein?
PARABÉNS, Globeleza!
Talento a gente tbm vê na globo!
;P
beijoo

Thiago Verney disse...

Lú, obrigado por ler esse texto enorme que nem eu teria a paciência de ler... e melhor, ainda gostou! leitora de carteirinha do blog!